Cotidiano n° 2
Toquinho
Hay dias que no sé lo que me pasa
Eu abro meu Neruda e apago o sol
Misturo poesia com cachaça
e acabo discutindo futebol
Mas não tem na- da, não
Tenho meu vi- o- lão
Acordo de manhã, pão com manteiga
e muito, muito sangue no jornal
aí a criançada toda chega
e eu chego a achar Herodes natural
Mas não tem na- da, não
Tenho meu vi- o- lão
Depois faço a loteca com a patroa
quem sabe nosso dia vai chegar
e rio porque rico ri à toa
também não custa nada imaginar
Mas não tem na- da, não
tenho meu vi- o- lão
Mas não tem na- da, não
tenho meu vi- o- lão
Aos sábados em casa tomo um porre
e sonho soluções fenomenais
mas quando o sono vem a noite morre
o dia conta histórias sempre iguais
Mas não tem na- da, não
tenho meu vi- o- lão
Às vezes quero crer, mas não consigo,
é tudo uma total insensatez
Aí pergunto a Deus: "Escute, amigo,
se foi pra desfazer por que é que fez?"
Mas não tem na- da, não
tenho meu vi- o- lão
Mas não tem na- da, não
É assim, há dias em que tudo é tão sem sentido. Parece que tudo está vazio, que nada se encaixa.
E agora Josè? Carlos Drumond de Andrade, ah Carlos...que sabedoria invejável.
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?